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Friday, 8 July 2011

Conclusion: A Call to Action

Eduardo Gonzalez, director of ICTJ’s Truth and Memory Program, closed today’s discussions, thanking panelists, organizers, donors and partners, and all who came to participate in the conference. He opened by acknowledging that every state’s experience with transitional justice is unique; there is no one method that can be universally applied. It is nevertheless crucial to engage in a comparative analysis of the lessons learned and experiences of other countries in transition.

While this conference has focused on sharing the comparative experiences throughout Latin America, this has not been an academic exercise but a call to action, Gonzalez said. The experts who spoke in the past two days are activists who have lived through and experienced the fight against dictatorship, abuses and impunity. He urged Brazilian authorities to learn from the experiences of other countries and called on Brazilian activists to continue the fight for truth, accountability, reparations, and justice.  

He concluded by summarizing the discussions of the conference.

The first session was on reparations and the importance of consistency, completeness and sustainability of reparations policies. Panelists shared lessons learned in reparations programs in Peru and Chile. In the keynote speech Cristian Correa, ICTJ senior associate, highlighted the importance of holistic reparations measures and listening to the experiences and needs of the victims when implementing reparations.

The second session was on institutional reform: transforming the security forces in times of transition, with experiences of Argentina and El Salvador discussed. Speaker Juan Faroppa, consultant of the Inter-American Court of Human Rights, spoke about the role of security forces in guaranteeing the rights of the population and suggested measures to ensure this is achieved.

The final session of the first day focused on truth-seeking: the right to truth and the role of truth commissions in achieving it. Priscilla Hayner, senior advisor to the Centre for Humanitarian Dialogue, reflected on the power gained from investigating and establishing the truth and the role Latin America has played in setting the standards we now come to expect from truth commissions.

The second day began with a session on criminal justice, focusing on amnesty laws, the Inter-American Court of Human Rights, and the impact of international jurisprudence in the domestic prosecution of human rights violations. The central presentation was given by Victor Prado Saldarriaga, judge of the Supreme Court of Peru, who discussed different types of amnesty laws that have been used in Latin America and what these laws meant for perpetuating impunity.

Session five focused on safeguarding archives and access to information. Panelists debated states’ obligation to preserve archives of human rights violations and make information available to the public. Catalina Botero, Special Rapporteur for Freedom of Expression, Inter-American Commission on Human Rights led the panel with an analysis of access to information as a right, and the limitations and obligations to this right.

The final session of the conference focused on the role of civil society in transitional justice. Javier Ciurlizza, director of the Latin American and Caribbean Program at the International Crisis Group argued that civil society must carry the fight for the principles behind transitional justice, using examples from Chile, Spain, Colombia, Argentina and Guatemala to illustrate the relationship between social movements and human rights in the success of political transitions.

Conclusão: Chamado à Ação

Eduardo Gonzalez, Diretor do Programa de Verdade e Memória do ICTJ, encerrou as discussões de hoje agradecendo aos panelistas, organizadores, doadores e parceiros, e a todos que participaram da conferência. Iniciou reconhecendo a singularidade da experiência de cada país com a justiça de transição – não há um método único que possa ser aplicado universalmente. Mesmo assim, é crucial engajar-se numa análise comparativa das lições aprendidas e das experiências de outros países em transição.

Mesmo que esta conferência tenha se concentrado no compartilhamento de experiências comparativas em toda a América Latina, não se tratou de um exercício acadêmico, mas de um chamado à ação, disse Gonzalez. Os especialistas que falaram nos dois últimos dias são ativistas que viveram e experimentaram a luta contra a ditadura, os abusos e a impunidade. Convocou as autoridades brasileiras a aprender das experiências de outros países e conclamou os ativistas brasileiros a continuarem lutando pela verdade, responsabilização, reparações e justiça.

Concluiu apresentando um resumo das discussões do Seminário.

A primeira sessão foi sobre reparações e a importância da consistência, completude e sustentabilidade das políticas de reparação. Os debatedores compartilharam lições aprendidas nos programas de reparação no Peru e no Chile. O palestrante Cristián Correa, Associado Sênior do ICTJ, ressaltou a importância de medidas de reparação holísticas e de ouvir as experiências e necessidades das vítimas quando da implementação de reparações.

O segundo painel tratou da reforma institucional: a transformação das forças de segurança em tempos de transição, com a discussão de experiências da Argentina e El Salvador. O palestrante Juan Faroppa, consultor da Corte Interamericana de Direitos Humanos, falou sobre o papel das forças de segurança no sentido de garantir os direitos da população e sugeriu medidas para assegurar que isto seja alcançado.

O painel final do primeiro dia concentrou-se na busca da verdade: o direito à verdade e o papel das comissões da verdade para alcançá-la. Priscilla Hayner, assessora sênior do Centro para o Diálogo Humanitário, teceu reflexões sobre o poder conquistado com a investigação e o estabelecimento da verdade e o papel desempenhado pela América Latina em estabelecer os padrões que agora passamos a esperar das comissões da verdade.

O segundo dia começou com uma sessão sobre justiça criminal, focando nas leis de anistia, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, e o impacto da jurisprudência internacional na persecução doméstica de violações dos direitos humanos. A apresentação principal foi feita por Victor Prado Saldarriaga, juiz da Suprema Corte do Peru, que discutiu diferentes tipos de leis de anistia utilizadas na América Latina e o que estas leis representaram em termos de perpetuação da impunidade.

O Painel 5 concentrou-se na salvaguarda de arquivos e no acesso à informação. Os panelistas debateram a obrigação dos Estados de preservar arquivos de violações de direitos humanos e disponibilizar informações ao público. Catalina Botero, Relatora Especial sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, liderou o painel com uma análise do acesso à informação como um direito, e as limitações e obrigações relativas a este direito.

O painel final do Seminário foi dedicado ao papel da sociedade civil na justiça de transição. Javier Ciurlizza, Diretor do Programa para a América Latina e Caribe do International Crisis Group, argumentou que a sociedade civil precisa levar adiante a luta pelos princípios por trás da justiça de transição, utilizando exemplos do Chile, da Espanha, Colômbia, Argentina e Guatemala para ilustrar as relações entre os movimentos sociais e os direitos humanos para o sucesso das políticas de transição.

Sobre efeitos domésticos da decisão da IACHR no Caso Lund Gomes e outros vs Brazil

Documento homologado pela 2a Câmara em sessão de 21/03/2011 sobre os efeitos domésticos da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil . Os autores André de Carvalho Ramos (Procurador Regional da República), André Raupp (Procurador da República) e Andrey Borges de Mendonça (Procurador da República) analisam as obrigações estabelecidas na sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos para o Estado brasileiro e sua relação com as atribuições constitucionais do Ministério Público Federal.

Texto completo: Reunião interna de Trabalho n. 1 / 2001 - Sobre efeitos domésticos da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Lund Gomes e outros vs Brazil e sobre as atribuições do Ministério Público Federal

Domestic effects of the decision of the IACHR in the case of Gomes Lund e outros vs. Brazil

A legal analysis of the applicability of the Inter-American Court of Human Rights' Gomes Lund judgment in Brazil drafted by criminal prosecutors under the guidance of Raquel Dodge, Criminal Deputy Prosecutor-General was released July 8, 2011.

The document summarizes the key points of consensus among criminal prosecutors who participated in a debate about the Inter-American Court of Human Rights' judgment on February 28, 2011.

Full text: Internal Meeting n. 1/2001 - Domestic effects of the decision of the Inter-American Court of Human Rights in the case of Gomes Lund e outros vs. Brazil and on the tasks of the Federal Prosecutor (Portuguese only).

Painel 6: A Força Motriz da Justiça

O painel final do seminário foi dedicado ao papel da sociedade civil na justiça de transição.

Javier Ciurlizza
Javier Ciurlizza, Diretor do Programa para a América Latina e Caribe do International Crisis Group, iniciou a conversa apresentando uma visão geral do poder dos movimentos sociais no contexto da justiça de transição na América Latina.

Ciurlizza referiu-se a exemplos do Chile, da Espanha, da Colômbia, da Argentina e da Guatemala para ilustrar a relação entre movimentos sociais e direitos humanos nas transições políticas. Grupos como as Mães da Plaza de Mayo, na Argentina, por exemplo, foram e continuam sendo uma importante força motriz na justiça de transição na região.

Enfatizou a conexão entre a violência de hoje e a violência do passado. 


Estruturas de impunidade continuam existindo na sociedade, ainda muitos anos após a transição. Os problemas atuais enfrentados por uma sociedade têm suas raízes em um contexto social e político e não podem ser desconectados do passado.

Portanto, é importante considerar a luta contra a impunidade como algo que vai além da justiça de transição. A sociedade civil precisa levar a luta em prol dos princípios que estão por detrás da justiça de transição – os direitos das vítimas, a segurança, a paz, a democracia e a justiça social – para além da transição. Tais princípios e a ideia de “nunca mais” devem ser transferidos aos filhos e netos de uma sociedade de modo a assegurar uma sociedade de respeito aos direitos.
Maurice Politi, Diretor do Núcleo de Preservação da Memória Política, falou a seguir sobre a história da sociedade civil na luta pela justiça de transição no Brasil. Explicou que o processo iniciou-se com famílias procurando por informações acerca de familiares desaparecidos durante a ditadura. As igrejas, em especial a Igreja Católica, inicialmente também desempenharam um papel fundamental.

Em seguida, Politi esboçou possíveis maneiras pelas quais a sociedade civil pode apoiar o processo de criação de uma comissão da verdade. As ideias apresentadas incluíram ajudar com o acesso a documentos, inclusive testemunhos; ajudar a comissão a definir prioridades; ajudar a comissão a definir as zonas geográficas nas quais concentrarem as investigações; oferecer apoio psicológico e emocional às vítimas; dedicar-se à disseminação dos objetivos e do propósito da comissão; e ajudar na distribuição de notícias sobre a comissão.

Mencionou alguns desafios para a sociedade civil, incluindo o fato de não haver uma massa crítica por trás da comissão e as várias concepções equivocadas acerca da ditadura, aceitas pela população.
Rose Nogueira, Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, compartilhou exemplos contemporâneos de como a cultura da impunidade do passado está criando uma cultura de impunidade hoje.

Descreveu a extrema violência que ainda ocorre como resultado da atuação da polícia militar. Contou a história de uma mulher que morreu esta semana na sua rua, em São Paulo. Destacou que 500 pessoas em média morrem por ano em decorrência de violência policial. Tais crimes não são naturais, disse. São históricos. Eles se devem à falta de justiça de transição.

A última palestrante foi Iara Xavier, membro da Comissão de Mortos e Desaparecidos. Inicialmente discorreu sobre a importância da sociedade civil e de se trabalhar junto com partidos políticos, sindicatos, acadêmicos e outros membros da sociedade civil de modo a criar um grupo coletivo que trabalhe em prol da verdade e da justiça.

Na sequência, apresentou as demandas da sociedade civil por justiça de transição, ou seja, uma comissão de verdade financeiramente independente e soberana, a abertura dos arquivos nacionais, o direito à memória e – muito importante – à justiça.

Parabenizou os jovens das universidades por se reunirem e se manifestarem por meio de novos grupos, demandando responsabilização. Ressaltou que acredita fortemente que, trabalhando com os jovens, o movimento da sociedade civil poderá alcançar suas metas de justiça de transição.

As perguntas se concentraram no papel da mulher nos movimentos sociais e no papel do gênero nos crimes aos direitos humanos cometidos. Também se discutiu a viabilidade de mecanismos bem-sucedidos de busca da verdade quando as instituições governamentais ainda carecem de reforma.

Session 6: The Driving Force for Justice

The final session of the conference focused on the role of civil society in transitional justice.

Javier Ciurlizza
Javier Ciurlizza, director of the Latin American and Caribbean Program at the International Crisis Group started the conversation with an overview of the power of social movements in transitional justice in Latin America.

He used examples from Chile, Spain, Colombia, Argentina and Guatemala to illustrate the relationship between social movements and human rights with regard to political transitions. Groups like the Madres of the Plaza de Mayo in Argentina, for example, were and continue to be a moving force in transitional justice in the region.

He emphasized the connection between violence today and violence from the past.

Structures of impunity continue in society, even years after a transition. The current problems facing a society are rooted in a social and political context and cannot be disconnected from the past.

Thus it is important to think of the fight against impunity as something beyond transitional justice. Civil society must carry the fight for the principles behind transitional justice—victims’ rights, security, peace, democracy, and social justice—beyond the transition. These principles, and the idea of “nunca mais”—never again—should be transferred to the children and grandchildren of a society to ensure a rights-respecting society.

View Javier Ciurlizza's Presentation (PDF File)

Maurice Politi, director of the Center for the Preservation of Political Memory then spoke about the history of civil society in the fight for transitional justice in Brazil. He explained that the process began with families looking for information about missing family members during the dictatorship. The churches, especially the Catholic Church, were also instrumental in theearly days.

He then outlined possible ways in which civil society can support the upcoming truth commission process. Some ideas included helping with access to documents, including testimonies; helping the commission decide priorities; helping the commission decide the geographic zones on which to focus investigations; offering psychological and emotional support to victims; focusing on outreach about the objectives and purpose of the commission; and assisting with distributing news from the commission.

He did outline some challenges for civil society, including not having a critical mass behind the commission and the many misconceptions about the dictatorship accepted by the population.

View Maurice Politi's Presentation (PDF File)

Rose Noguiera, president of the Group Tortura Nunca Mais of Sao Paulo spoke. She gave contemporary examples of how the culture of impunity from the past is creating a culture of impunity today.

She described the extreme violence that still happens as a result of the military police. And told a story of a woman who died just this week on her street in Sao Paulo. She noted that an average of 500 people die per year because of police brutality. These crimes are not natural, she said. They are historical. They are due to the lack of transitional justice.

The final speaker was Iara Xavier, member of the Commission of the Relatives of the Disappeared. She first discussed the importance of civil society and of working together with political parties, unions, academics and others in civil society to create a collective group that works for truth and justice.

She then put forth the civil society demands for transitional justice, namely a financially independent and sovereign truth commission, the opening of national archives, the right to memory, and, importantly, justice.

She congratulated the youth of the universities for coming together and expressing themselves through new groups asking for accountability. She remarked that she strongly believes that, working with the youth, the civil society movement can reach its goals for transitional justice.

The questions focused on the role of women in social movements and the role of gender in human rights crimes committed. There was also discussion about the feasibility of successful truth-seeking mechanisms when government institutions have yet to be reformed.

A Comissão de Anistia do Brasil: Entrevista com Paulo Abrão

Durante a conferência falamos com o Secretário Nacional de Justiça e Presidente da Comissão de Anistia Paulo Abrão sobre o seu trabalho.


Pergunta: Para começar, nos conte por favor sobre o contexto do trabalho da Comissão de Anistia. Quantos pedidos de reparação foram recebidos desde a sua criação pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2001? Quais esforços tem sido feitos para compensar brasileiros que sofreram violações de direitos humanos entre 1946 e 1988?

Paulo Abrão: A Comissão de Anistia tem a função de promover reparação e reconhecimento – estas são suas duas tarefas fundamentais – para todos aqueles que foram atingidos por atos de exceção durante o regime autoritário. Atos de exceção são todos aqueles que desvirtuaram a esfera do estado de direito no exercício das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Portanto, a comissão aborda violações de direitos humanos, tais como tortura, prisões arbitrárias e banimento.

No que se refere à sua tarefa de promoção de reconhecimento das vítimas, a comissão trabalha com a idéia da declaração de anistiado político. O processo pressupõe o reconhecimento do direito de resistência da população brasileira contra a repressão e, além disso, de reconhecimento por parte do Estado de que ele cometeu erros em relação ao seu dever de proteção dos direitos fundamentais. Portanto, ao longo do tempo, as declarações assumiram feições de um pedido de desculpas públicas aos cidadãos e à sociedade.

Quanto às reparações, a Comissão promove mecanismos de reparação típicos de reabilitação das vítimas. Talvez a maior contribuição da Comissão de Anistia – de um ponto de vista quantitativo – seja a sua capacidade de reunir um significativo número de relatos de atrocidades que, historicamente, nunca foram compilados no Brasil. Isto permite uma certa pluralidade quanto às formas de reparação para estas vítimas, que extrapolam, em muito, as reparações meramente econômicas.

Desde 2001, 70.000 pessoas solicitaram anistia e concedemos aproximadamente 32.000, metade das quais incluíram reparações econômicas, e metade foram simbólicas, na forma de um pedido de desculpas público.

Pergunta: A Comissão de Anistia também está desenvolvendo e implementando um projeto sobre o chamado Memorial da Anistia Política. O senhor poderia dividir mais informações a respeito desse projeto? Como você espera que a memorialização no Brasil contribuirá para a responsabilização de graves violações de direitos humanos?

Paulo Abrão: O Projeto Memórias Reveladas é um centro de referência que facilita a identificação de documentos que estão fisicamente localizados em localidades dispersas no território nacional. Ele se constitui numa ferramenta para a pesquisa de documentos, segundo determinadas temáticas.

O Memorial da Anistia – que está sendo construído – funciona segundo três elementos estruturantes. Primeiro, ele é um lugar de memória – uma representação da narrativa das vítimas como conceito físico. Segundo, o Memorial também se constituirá numa política de memória, pois será uma homenagem às vítimas e será um reconhecimento por parte do Estado ao manter um local sobre estas graves violações, financiado e mantido pelo poder público estatal brasileiro. Numa terceira feição, o Memorial será um lugar de consciência, na medida em que ele se tornará um lócus de formação e educação em direitos humanos, especialmente para as futuras gerações. O projeto Memórias Reveladas e o Memorial da Anistia são políticas federais complementares, ao lado de outras iniciativas de memória locais que o Brasil está implementando.

Pergunta: Recentemente foram iniciadas audiências públicas sobre o Projeto de Lei 7.376/10, que propõe o estabelecimento de uma Comissão Nacional da Verdade para investigar as violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. Como uma comissão da verdade complementará ou promoverá os trabalhos da Comissão de Anistia?

Paulo Abrão: Do meu ponto de vista, tanto a Comissão de Anistia quanto a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos são comissões de verdade e reparação. O que é novo e exclusivo da nova comissão da verdade que está sendo proposta são suas tarefas específicas. A primeira, que não foi competência das duas comissões anteriores, é a identificação da estrutura de repressão que foi instalada durante o regime autoritário. Especificamente, o desenho de sua cadeia de comando e seus respectivos autores.

A segunda é que, de acordo com o projeto de lei, esta comissão da verdade poderá identificar a nomear os violadores de direitos humanos. E a terceira contribuição é que o estado brasileiro assume para si a obrigação de também elaborar uma narrativa oficial da democracia em relação a este passado autoritário, a partir do relatório final da comissão proposta.

Pergunta: O Sr. acredita que o projeto de lei, do jeito que está, permitirá à comissão da verdade cumprir estas funções?

Paulo Abrão: Acredito que um dispositivo que seria essencial para aperfeiçoar o atual projeto de lei seria uma cláusula de garantia de imunidade aos comissionados por eventuais decisões judiciais. Acho que isto daria força aos membros da comissão em suas tarefas difíceis, porém cruciais. Sou daqueles que acreditam que homens e mulheres são os que fazem as instituições e, de certa maneira, o sucesso da comissão depende menos da sua estruturação ideal e muito mais do engajamento e do comprometimento dos conselheiros que serão escolhidos para a compor.

Pergunta: Atualmente há um debate público sobre a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que diz que a lei de anistia brasileira contradiz a lei internacional. Qual é a sua opinião a respeito?

Minha opinião é de que o estado brasileiro tem o dever de cumprir a decisão na íntegra, em todos os seus aspectos. O judiciário agora deveria alinhar o conteúdo e o fundamento da decisão da Corte Interamericana com o conteúdo e o fundamento do Supremo Tribunal Federal. Eu, particularmente, não acredito que exista uma necessária incompatibilidade entre estas duas decisões. Ou seja, uma série de crimes políticos pode ser perdoada no nível nacional, enquanto a categoria de crimes de lesa-humanidade pode ser investigada.

Pergunta: Quais o Sr. acredita que são as prioridades futuras?

Paulo Abrão: O Brasil terá desafios específicos a enfrentar após a aprovação do projeto de lei da comissão da verdade. Primeiro, terá que transformar o processo da comissão em um grande momento de debate público, de modo a formar uma cultura que rejeite toda e qualquer forma de autoritarismo e todas as formas de violações aos direitos humanos.

Segundo, certas reformas institucionais ainda precisariam ser implementadas, tais como a reforma dos sistemas de polícia e do sistema penitenciário que, a meu ver, atualmente é o principal lócus de violação dos direitos humanos. Na agenda da transição, há necessidade de finalizar um processo de reparação e a necessidade de diversificação das políticas públicas de memória pública, que ainda são incipientes. Do ponto de vista da construção da verdade, resta ao Brasil aprovar para si uma lei de acesso à informação pública e ampliar, na consciência jurídica brasileira, um alinhamento irrestrito ao sistema interamericano de direitos humanos.
 
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